sábado, 29 de outubro de 2011

Rua

Encarei aquela distância como um desafio. Mas fui pequena ao sentir-me igual.
O cabelo escuro, impecavelmente composto, entrou em choque com o olhar perdido em todo lado, quase que aflito.
Sem me aperceber, evaporou-se pelas esquinas e já lá estava... sentada na beira de um passeio, com as pernas fletidas e o peso de mil vidas no olhar. O prato de sopa, pousado no chão, alinhava no quadrado de rua que era só seu. À frente, com ar descontraído e terno, uma cadela branca, deitada em jeito de cochilo.
Despi-me dos meus problemas e fui, de alma maltratada, sentar-me ao lado dela. "Arranjou aí uma bela companheira", confrontei-a, com um tom de voz tão convincente como ensaiado. Virou a cabeça lentamente e olhou-me nos olhos, a questionar, ainda em silêncio, o meu atrevimento.
"Oh menina... se a menina soubesse...", confessou, com as palavras contadas e os olhos perdidos em momentos de outra vida.
Não encontrei mais nenhuma palavra. Limitei-me a ficar ali sentada, desarmada, a olhar para o vago que ela via melhor do que ninguém. Há espaços que não nos pertencem.

Levantei-me, ainda com o aroma da sopa a levitar em sopros de fumo, e fui embora com um único pensamento na cabeça. "Que mundo de merda".